A instituição- Parte I
A lua já ia alta quando um ruído quebrou o silêncio da noite. Enquanto o mundo dormia e repousava da extenuante rotina citadina um vulto negro atravessava a cidade. Caminhava apressado como se estivesse atrasado para algo muito importante. Não se conseguia ver a cara.
Dobrou uma esquina no seu passo ligeiro, assustando um gato que, como o do poeta, por ali brincava despreocupado...
Deteve-se diante duma casa antiga. Sombria. Talvez por efeito duma nuvem que cobrira momentaneamente a lua ou por efeito do próprio casarão. Parecia abandonada. As ervas do jardim cresciam desorganizadamente como o vulto constatou ao ter de atravessá-lo aos ziguezagues. Um arrepio percorreu-lhe a espinha ao subir os degraus da entrada. Por cima da imponente porta principal numa enorme placa de pedra lia-se nuns caracteres antigos: “Instituição”.
Não havia campaínha. Bateu à porta. Uma e outra vez. Três pancadas secas e vigorosas na porta. Demorou algum tempo até ouvir passos do lado de dentro. Rodaram as fechaduras, a porta abriu-se. Um homem também totalmente vestido de negro esperava-o. Trazia um cigarro inacabado na mão direita. Dirigiu-se-lhe numa voz monocórdica e característica.
-Está atrasado, Mr.Wart.
-Assuntos a tratar...- limitou-se a dizer- A reunião já começou?
O outro não respondeu. Levou o cigarro à boca e voltou costas, sendo seguido de perto pelo misterioso Mr. Wart.
Conduziu-o por corredores pequenos e sombrios. A casa parecia tão velha por dentro como por fora. Ainda assim mantinha uma dignidade ímpar. A certeza da elegância, o culto do mistério, os mil e um segredos e histórias milenares encerrados naquelas paredes.
Entraram numa sala ampla. Algumas pessoas os esperavam. Mr.Wart tirou finalmente o sobretudo e o chapéu que ocultavam a sua face. Alguns dos presentes não conseguiram evitar uma inspiração. Apesar de o conhecerem há longos anos, o rosto deformado de Wart nunca era bonito de se ver.
O seu acompanhante apagou o cigarro com a soleira da bota. No topo da mesa uma figura recostava-se no seu cadeirão. Era a única pessoa em toda a sala que trajava de branco. Via-se também que emanava um certo poder. Autoridade. Bastou uma tossidela sua para calar todos os murmúrios que vagueavam pela sala.
-Boa Noite, Mr. Wart- a voz era rouca e seca, mas simultaneamente determinada- Sente-se! Temos muito a tratar esta noite ..
Wart sentou-se. A figura de branco levantou-se e tomou a palavra. Alguns dos presentes forçaram-se a chegar um pouco para trás nas cadeiras. Wart porém manteve-se impassível. Havia muito anos que sabia como as coisas funcionavam. E a sua lealdade e dedicação à causa nunca haviam sido postos em causa.
- Estamos hoje aqui reunidos de novo. A “Instituição” reeergue-se. Pela mais nobre das missões. Pela salvação da nossa arte. Nós, os mais ilustres, nós os representantes de tantos Institutos que formámos há tantos séculos atrás esta Instituição. Para que a nossa nobre missão não caia em desgraça nem em facilidades. Para que não haja distracções nem fugas. Para que não se perca o caminho. Os tempos são difíceis. Negros como jamais. A vulgaridade apoderou-se da nossa classe. Deixámos de ser a elite entre as elites, a nata duma sociedade. Perdemo-nos na vulgaridade e na generalização. Até o sangue já pouco conta. Isto não toleraremos. Contra isto lutaremos. Cabe-nos a nós reconstruir as muralhas do nosso castelo, expurgar tudo o que nos é indesejável, e formar os nossos novos cavaleiros. Obedientes, racionais, impassíveis, frios, mecânicos. Perfeitos!
E com isto voltou a sentar-se na cadeira, enquanto uma tempestade de aplausos e vivas ecoava pela sala. Apenas Wart não se moveu. A sua sobrancelha deformada mostrava as dúvidas que o assolavam...
- Mas como?- inquiriu quando os ruídos de anuência se calaram. Todos os rostos viraram-se para o fitar mas ele não vacilou- Sim, como? Como mudar os dados de um futuro já lançado e arrancar as raízes de um presente interiorizado? Como trazer de volta o tempo em que tudo era perfeito?
(To be continued...)
Dobrou uma esquina no seu passo ligeiro, assustando um gato que, como o do poeta, por ali brincava despreocupado...
Deteve-se diante duma casa antiga. Sombria. Talvez por efeito duma nuvem que cobrira momentaneamente a lua ou por efeito do próprio casarão. Parecia abandonada. As ervas do jardim cresciam desorganizadamente como o vulto constatou ao ter de atravessá-lo aos ziguezagues. Um arrepio percorreu-lhe a espinha ao subir os degraus da entrada. Por cima da imponente porta principal numa enorme placa de pedra lia-se nuns caracteres antigos: “Instituição”.
Não havia campaínha. Bateu à porta. Uma e outra vez. Três pancadas secas e vigorosas na porta. Demorou algum tempo até ouvir passos do lado de dentro. Rodaram as fechaduras, a porta abriu-se. Um homem também totalmente vestido de negro esperava-o. Trazia um cigarro inacabado na mão direita. Dirigiu-se-lhe numa voz monocórdica e característica.
-Está atrasado, Mr.Wart.
-Assuntos a tratar...- limitou-se a dizer- A reunião já começou?
O outro não respondeu. Levou o cigarro à boca e voltou costas, sendo seguido de perto pelo misterioso Mr. Wart.
Conduziu-o por corredores pequenos e sombrios. A casa parecia tão velha por dentro como por fora. Ainda assim mantinha uma dignidade ímpar. A certeza da elegância, o culto do mistério, os mil e um segredos e histórias milenares encerrados naquelas paredes.
Entraram numa sala ampla. Algumas pessoas os esperavam. Mr.Wart tirou finalmente o sobretudo e o chapéu que ocultavam a sua face. Alguns dos presentes não conseguiram evitar uma inspiração. Apesar de o conhecerem há longos anos, o rosto deformado de Wart nunca era bonito de se ver.
O seu acompanhante apagou o cigarro com a soleira da bota. No topo da mesa uma figura recostava-se no seu cadeirão. Era a única pessoa em toda a sala que trajava de branco. Via-se também que emanava um certo poder. Autoridade. Bastou uma tossidela sua para calar todos os murmúrios que vagueavam pela sala.
-Boa Noite, Mr. Wart- a voz era rouca e seca, mas simultaneamente determinada- Sente-se! Temos muito a tratar esta noite ..
Wart sentou-se. A figura de branco levantou-se e tomou a palavra. Alguns dos presentes forçaram-se a chegar um pouco para trás nas cadeiras. Wart porém manteve-se impassível. Havia muito anos que sabia como as coisas funcionavam. E a sua lealdade e dedicação à causa nunca haviam sido postos em causa.
- Estamos hoje aqui reunidos de novo. A “Instituição” reeergue-se. Pela mais nobre das missões. Pela salvação da nossa arte. Nós, os mais ilustres, nós os representantes de tantos Institutos que formámos há tantos séculos atrás esta Instituição. Para que a nossa nobre missão não caia em desgraça nem em facilidades. Para que não haja distracções nem fugas. Para que não se perca o caminho. Os tempos são difíceis. Negros como jamais. A vulgaridade apoderou-se da nossa classe. Deixámos de ser a elite entre as elites, a nata duma sociedade. Perdemo-nos na vulgaridade e na generalização. Até o sangue já pouco conta. Isto não toleraremos. Contra isto lutaremos. Cabe-nos a nós reconstruir as muralhas do nosso castelo, expurgar tudo o que nos é indesejável, e formar os nossos novos cavaleiros. Obedientes, racionais, impassíveis, frios, mecânicos. Perfeitos!
E com isto voltou a sentar-se na cadeira, enquanto uma tempestade de aplausos e vivas ecoava pela sala. Apenas Wart não se moveu. A sua sobrancelha deformada mostrava as dúvidas que o assolavam...
- Mas como?- inquiriu quando os ruídos de anuência se calaram. Todos os rostos viraram-se para o fitar mas ele não vacilou- Sim, como? Como mudar os dados de um futuro já lançado e arrancar as raízes de um presente interiorizado? Como trazer de volta o tempo em que tudo era perfeito?
(To be continued...)
1 Comments:
Estamos a assistir ao nascer de um novo best-seller. Espero pelo aparecimento de personagens como Sir Martin Bramble, do enigmático Prof. Bramble Oak (não se confunda qualquer ligação de consanguínidade), ou mesmo do jovem nobilístico gonçalves blacksmith. Baroness Vine poderá ser a personagem de branco? ou a autora de tão aterrorizador discurso terá sido aquela de quem não se pode dizer o nome... (exclusivamente porque não há nenhuma tradução não óbvia)?
By Anonymous, at 06 March, 2007 00:19
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