Abutres

Tudo apontava que fosse um dia normal... As pessoas mantinham aquele olhar ausente nos comboios (sim, essa indiferença que me faz sentir qualquer coisa entre o Casper e a professora de Bioestatística), o metro continuava à pinha, via-se que era início de semana, os rostos carregados, os semblantes cinzentos, o esfregar de olhos tão típico de quem ainda não recuperou totalmente do fim de semana...
A faculdade parecia a mesma de sempre... Mas não, algo mudara para sempre! Espanto o meu quando, ao longe, apesar da miopia acentuada que tenho vindo a desenvolver (graças às maratonas de bioquímica na biblioteca e ao visionamento contínuo de filmes pornográficos codificados), distingo um magote de gente que se amontoava em redor do placard do 1º ano numa excitação/fúria tremenda...
Não via uma reacção tão extemporânea e emotiva de um conjunto de pessoas em Santa Maria desde a actuação memorável do Marco Paulo no Natal dos Hospitais, não me recordava de ter tanto medo no local de trabalho desde que me foi apresentada uma determinada regente de bioquímica, não sentia tanta revolta no ar desde que uma certa senhora se lembrara de sugerir o “sorteio” das entradas em Medicina...
O pânico instalara-se, era uma mini-revolução, viam-se folhas desagrafadas a voarem amarfanhadamente de mão em mão, observavam-se os puxões, agarrões, golpes de kung fu e capoeira que iam sendo aplicados uns nos outros...
O que se passaria? Teriam dito que haveria aulas extra obrigatórias de bioestatística ao longo do segundo semestre? Estaria afixada uma foto do professor Valério todo nu a apresentar o períneo? (corre o boato que esta foto existe e está emoldurada no gabinete do regente) Ou seria o anúncio recente do Fractura a colocar todas aquelas pessoas em polvorosa? (devo confessar que esta foi uma possibilidade que me deixou bastante animado)
Nada disso. Aquela autêntica batalha campal devia-se a algo que o “Patilhas” (vulgo director da FML) tinha anunciado na teórica de Bioquímica : os tutores!
O motivo que estava por trás daquela animalesca pulsão eram uns setenta ou oitenta doutores com quem vamos, num dia longínquo, beber um cházinho, ver um filme ou dizer mal da Carlota (sim, eles devem ter um tempo infinito para nos aturar!)
Mais espantado ainda fiquei quando concluí que os Danieis Sampaio, os Lobo Antunes, os Gomes Pedro ou os Fernandos Pádua estavam já ocupados (e, estupefacção geral, que eram as pessoas da comissão de curso que ocupavam esses lugares!) e, os restantes caloiros, qual abutres que vão escolhendo os restos, iam-se acotovelando para garantir um bom tutor...
O que fiz eu? Bem, preocupado com o facto de ainda me sobrar um médico qualquer de microbiologia, semiótica ou outra treta qualquer sem interesse nenhum...
Juntei-me ao molho!